O tema indisciplina em Escolas, sobretudo as públicas, tem
ganhado espaço de destaque nos debates referentes aos desafios da educação nos
últimos anos. Trata-se, efetivamente, de uma discussão de difícil
encaminhamento, sobretudo, em fase da complexidade de causas e efeitos
relacionados. Como possibilidade de aproximação reflexiva, o Prof. Mestre Paulo
Robério F. Silva realizou na E.E. Ministro Petrônio Portela, a convite do
Grêmio Estudantil daquela instituição e de sua direção uma palestra no último
dia 5 de agosto de 2017 com objetivo de açular algumas questões relacionadas ao
tema.
Como mediação da reflexão foi proposta inicialmente a
afirmativa de que “a centralidade do conhecimento no fazer escolar é o elemento
orientador dos processos disciplinares”, ou seja, a disciplina escolar não
escaparia aos determinismos da efetivação do conhecimento escolar no ambiente
de ensino e de aprendizagem, razão da justificativa da função social da Escola.
O conhecimento, neste caso específico, se refere à transformação, grosso modo,
da informação em algo efetivamente útil para os sujeitos envolvidos em sua
produção e (re)significação.
Como mostra Saviani (2008), o conhecimento se refere ao novo
e se apóia na estrutura cognitiva já existente, ou seja, nas experiências do
educando. Ao se identificar as deficiências em relação a dado saber dos alunos
(e dos Professores), produzir, por meio do Professor, novas aprendizagens
significativas (construção de novos sentidos) a partir dos conhecimentos já
existente.
Ainda segundo sua reflexão, a materialização do conhecimento
traria certos benefícios:
1) A possibilidade da troca de saberes, de
professores e alunos, em seus diferentes níveis de compreensão, tanto de experiência,
como de conhecimento.
2) A preocupação em atuar em questões no âmbito
social, verificando conhecimentos que precisam ser alcançados, não apenas
apresentando problemas, mas problematizando questões e atuando nas necessidades
que elas geram.
3) Articular o conhecimento apreendido ao cotidiano
do aluno, permitindo a reflexão e consciência de si e do mundo, tornando-os
‘elementos ativos de transformação social’.
4) Permitir aos alunos, a capacidade de ‘expressarem uma
compreensão da prática em termos tão elaborados quanto era possível ao
professor. (SAVIANI, 2008).
Disciplina, de outra forma, pode ser apreendida, também de
uma forma imediata, com os processos educativos (no âmbito da escola) orientado
para determinados fins. Esta aproximação, ainda simplória, diga-se, seria útil,
em dada perspectiva, para se superar o reducionismo de pensar a indisciplina
apenas com resultado da incapacidade ou impossibilidade dos sujeitos educandos
à socialização em ambientes de diversidade.
Como possibilidade de se ampliar o arcabouço reflexivo,
sugere-se que os fins da Escola (pública), ou seja, a realização de sua função
social, se daria, numa perspectiva metodológica, na efetivação da Pedagogia
Histórico-Crítica. Esta se realiza mediante o desenvolvimento de 5 momentos
(independentes, intercalados e dialéticos):
1) Prática social inicial;
2) Problematização;
3) Instrumentalização;
4) Catarse;
5) Retorno à prática social.
No dizer de Saviani (2008, p. 58),
“[...] a prática social referida no ponto de partida
(primeiro passo) e no ponto de chegada (quinto passo) é e não é a mesma. É a
mesma, uma vez que é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o
contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prática
pedagógica. E não é a mesma, se considerarmos que o modo de nos situarmos em
seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica; e já
que somos, enquanto agentes sociais, elementos objetivamente constitutivos da
prática social, é lícito concluir que a própria prática se alterou
qualitativamente.”
A partir desta abordagem inicial, foi possível então sugerir
um conceito aproximado do que vem a ser educação escolar. Seria, de certo modo,
os processos de socialização (ensino) e apreensão (aprendizagem) de saberes
(informação transformada em conhecimento) úteis e necessários à sociedade.
Conforme Saviani e Duarte (2010), a educação é um processo
intencional de transformação da realidade por meio da produção de saberes.
A educação revelava-se impossível na medida em que fossem
considerados apenas os elementos que caracterizam a estrutura do homem em seu
aspecto empírico. Ou seja: enquanto ser situado, determinado pelas condições do
meio natural e cultural, a educação resultava impossível.
No entanto, a análise do aspecto
pessoal, isto é, da liberdade, mostrava o homem como um ser que, embora
situado, se revelava capaz de intervir pessoalmente na situação para aceitar,
rejeitar ou transformar. Enquanto ser livre, ele mostrava-se capaz de optar e
tomar decisões. Esse aspecto já permitia responder positivamente à questão da
possibilidade da educação. Se o homem é livre e capaz de intervir na situação,
então ele pode intervir na vida das novas gerações para educá-las. (SAVIANI;
DUARTE, 2010, p. 422).
Como desdobramento, tomou-se a Escola moderna como
referência. Esta Escola, além de necessariamente reproduzir os elementos da
ordem dominante, também é lócus que
fomenta a prática transformadora da própria sociedade, estando aí, numa
perspectiva marxista, a sua contraditoriedade.
Para Saviani (2008) a educação parte de uma condição de
desigualdade (Escola moderna) para uma condição de igualdade no ponto de
chegada.
Para justificar o seu caráter revolucionário, a Escola deve
garantir ao educando o acesso ao conhecimento científico historicamente
acumulado, no sentido de que os excluídos possam lutar contra o estado de
exploração, pois “o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo
que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes dominam é
condição de libertação” (SAVIANI, 2012, p. 55).
Neste sentido, o conhecimento científico (conteúdo) é
determinante. Por meio dele é possível superar o senso comum, condição que leva
os alunos à compreensão crítica da realidade que se apresenta por detrás da
aparência dos fenômenos cotidianos.
A Escola seria, enfim, instituição inevitável nas
necessidades evidentes de transformação da realidade. Ainda apoiando-se em Karl
Marx, foi possível refletir sobre as condições determinantes de transformação
da realidade, ou seja, a existência de condições materiais e teóricas que
permitam a emergência daquilo que efetivamente se deseja.
Tal movimento dinamiza-se na práxis, que seria, grosso modo,
a produção humana da existência. Como mostra Saviani (2012), seria
espontaneísmo a prática sem teoria, que resultado no fazer pelo fazer. De outra
forma, o idealismo se manifesta quando a teoria impera sem a prática. “A teoria
dá sentido à prática e esta última se torna fundamento e critério de verdade da
primeira.” (SAVIANI, 2012, p. 61). Seriam – teoria e prática indissociáveis.
[...] o movimento global do
conhecimento compreende dois momentos. Parte-se do empírico, isto é, do objeto
na forma como se apresenta à observação imediata, tal como é figurado na
intuição. Nesse momento inicial, o objeto é captado numa visão sincrética,
caótica, isto é, não se tem clareza do modo como ele está constituído. Aparece,
pois, sob a forma de um todo confuso, portanto, como um problema que precisa
ser resolvido. Partindo dessa representação primeira do objeto, chega-se por
meio da análise aos conceitos, às abstrações, às determinações mais simples.
Uma vez atingido esse ponto, faz-se necessário percorrer o caminho inverso
(segundo momento) chegando pela via da síntese, de novo ao objeto, agora
entendido não mais como a representação caótica de um todo, mas como uma rica
totalidade de determinações e de relações numerosas (SAVIANI, 2012, p. 61-62).
Por fim, ao se aproximar, conhecimento e disciplina, sempre
no contraponto à generalização da indisciplina que, como dito alhures, tem
ocupado um lugar de destaque dos sérios problemas que são enfrentados
diuturnamente pela Escola, visualizou-se alguns caminhos possíveis quando o
tema é tratado em sua relação com os saberes produzidos ao longo dos tempos
pelo homem e transformado em saberes escolares:
- A concepção pedagógica é o elemento norteador.
- A centralidade do “conhecimento” científico (com as suas
implicâncias morais) é o que determina o “fazer escolar”.
- A democracia é substrato para o comprometimento de todos
nos processos de transformação da realidade mediante determinados fins.
- As condições materiais da Escola interferem diretamente
nos processos a serem desenvolvidos.
- A educação familiar e a educação social são balizares na
produção de um ambiente harmonioso de convivência social na Escola.
- O número de educandos por sala de aula interfere
substancialmente nos processos a serem desenvolvidos.
Como provocação, no sentido de aproximar a discussão do
avanço da Escola neoliberal, foi sugerida a seguinte reflexão em relação a fatídica
pedagogia do “aprender a aprender”:
O
primeiro desses princípios é o de que aprender sozinho é melhor do que aprender
com outras pessoas. O segundo é o de que a tarefa da educação escolar não é a
de transmissão do conhecimento socialmente existente,
mas a de levar o aluno a adquirir um método de aquisição (ou construção) de
conhecimentos. O terceiro princípio é o de que toda atividade educativa deve
atender aos e ser dirigida pelos interesses e necessidades dos alunos. O quarto
princípio é o de que a educação escolar deve levar o aluno ‘aprender a
aprender’, pois somente assim esse aluno estará em condições de se adaptar
constantemente às exigências da sociedade contemporânea, a qual seria uma
sociedade marcada por um intenso ritmo das mudanças. (DUARTE, 2008, p. 215).
Referências:
DUARTE, Newton. A formação humana na perspectiva
histórico-ontológica. In: SAVIANI, Dermeval; DUARTE, Newton (Org.). Pedagogia
histórico-crítica e luta de classes na educação escolar. São Paulo: Autores
Associados, 2012. p. 13-35.
DUARTE, Newton. Por
que é necessário uma análise crítica marxista do construtivismo? In: LOMBARDI,
José C.; SAVIANI, Dermeval (Org.). Marxismo e educação: debates
contemporâneos. Campinas: Autores Associados, 2008. p. 203-221.
SAVIANI, Dermeval. Escola
e democracia. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.
SAVIANI, Dermeval.; Duarte, Newton. A formação humana na perspectiva histórico-ontológica. Revista
Brasileira de Educação, v. 15, p. 422-433, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v15n45/02>.
Acesso em 03 ago. 2017.
* Mestre em Sociologia,
Antropologia e Ciência Política pela PUC Minas; Historiador;
Especialista em História e
Cultura Afro-brasileira pela PUC Minas; Gestão Escolar; e Qualidade da Educação
Básica pelo EDUCOAS (OEA). Autor dos livros:
Manga – encontro com a modernidade e
Educação para a diversidade (no prelo).